
As regras da partilha de bens: Entenda a decisão do STJ que anulou partilha de bens em vida
- Em 27/02/2025
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela nulidade de partilha formalizada por meio de instrumento público em dezembro de 1999, na qual uma das herdeiras teria recebido bens avaliados em R$ 39.000,00, enquanto outro herdeiro R$ 711.486,00, em participações societárias.
Convidamos você a entender o que aconteceu e as regras aplicáveis à partilha de bens na sucessão, considerando a espécie dos bens a serem partilhados.
Outro aspecto muito importante sobre o qual conversaremos é a distinção entre ficção e a realidade das leis, para entender a sucessão. Assistimos a filmes e a séries cujas histórias se passam em outros países, nas quais as leis são diferentes das brasileiras e logo, não se aplicam à sucessão em território brasileiro.
Então, vamos entender os limites legais para a partilha de bens na sucessão:
· A decisão do STJ no Recurso Especial nº 2.107.070;
· O que é doação inoficiosa;
· Os limites legais da partilha de bens, no Brasil;
· Quem dispõe da totalidade de seus bens para testar?
· Tal limite também se aplica à partilha em vida, à arquitetura sucessória e ao testamento?
· Qual o valor de participação societária em pessoa jurídica, para fins de partilha?
· O planejamento sucessório.
A decisão do STJ no Recurso Especial nº 2.107.070
Em decisão nos autos do Recurso Especial nº 2.107.070, a Ministra Nancy Andrighi decidiu pela nulidade de partilha de bens em vida, realizada em dezembro de 1999, na qual um dos herdeiros recebeu imóveis avaliados em R$ 39.000,00, enquanto o outro herdeiro recebeu participações societárias cujo valor patrimonial era de R$ 711.486,00, considerando os ativos de propriedade da pessoa jurídica.
A herdeira prejudicada propôs ação judicial requerendo a nulidade da partilha. A herdeira venceu em primeira instância, mas teve a sentença reformada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O STJ, por sua vez, que a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina deveria ser reformada, ao entender que à partilha em vida, sob a forma de doação, aplicam-se as regras da partilha na sucessão, caracterizando a doação inoficiosa, a qual é nula.
O que é doação inoficiosa
A doação inoficiosa refere-se a uma doação que ultrapassa a parte disponível da herança que uma pessoa pode transferir a alguém, sem desrespeitar as legítimas dos herdeiros. No direito sucessório, há regras que protegem os direitos dos herdeiros necessários, como filhos e cônjuges, garantindo que eles recebam uma parte mínima da herança.
No contexto da legislação brasileira, a doação inoficiosa é aquela realizada em desacordo com as limitações impostas pelo direito sucessório. Especificamente, no Código Civil Brasileiro, a doação inoficiosa é uma doação que excede a parte disponível do patrimônio do doador, ou seja, a parte que ele pode dispor livremente que equivale a 50% de seu patrimônio, desconsiderando a legítima dos herdeiros necessários (como filhos, cônjuge e ascendentes).
Segundo o artigo 549 do Código Civil, os bens doados que superarem a parte disponível podem ser considerados inoficiosos. Isso significa que os herdeiros necessários podem recorrer à Justiça para reduzir a doação e garantir sua parte legítima na herança.
Essencialmente, a doação inoficiosa busca proteger os direitos dos herdeiros necessários, garantindo que recebam a parcela mínima a que têm direito, mesmo que o doador tenha desejado favorecer outra pessoa por meio da doação.
Quando uma doação é considerada inoficiosa, significa que ela é passível de ser contestada, pois compromete a legítima dos herdeiros. Em algumas legislações, os herdeiros podem requerer a redução da doação inoficiosa para que seus direitos sejam respeitados.
Os limites legais da partilha de bens, no Brasil
No Brasil, o limite da partilha de bens na sucessão depende do regime de bens escolhido durante o casamento ou união estável, bem como das disposições testamentárias e da legislação aplicável.
De acordo com a legislação brasileira, os regimes de bens influenciam a partilha patrimonial após a morte de um dos cônjuges. A seguir, explicamos de forma resumida os principais regimes e seus efeitos:
· Comunhão Parcial: Apenas os bens adquiridos durante o casamento são compartilhados, por herdeiros e sucessores.
· Comunhão Universal: Todos os bens, adquiridos antes ou durante o casamento, são compartilhados entre herdeiros e sucessores.
· Separação Total: Cada cônjuge mantém a propriedade individual dos bens adquiridos, sendo que o direito a sucessão de tais bens exclusivos dos herdeiros e sucessores de tal cônjuge.
A legislação brasileira determina que, na ausência de testamento, os bens deixados por uma pessoa falecida sejam distribuídos entre os herdeiros. Os herdeiros necessários (filhos, cônjuge, pais) têm direito à legítima, que é a fração da herança que não pode ser deserdada de 50% dos bens, levando em considerações eventuais dívidas (empréstimos, financiamentos, leasings, dentre outros).
· Legítima: De acordo com o Código Civil, a legítima corresponde a 50% do patrimônio que deve ser destinado aos herdeiros necessários. O restante, ou seja, 50%, pode ser disposto livremente pelo falecido, em testamento ou doações.
· Testamento: O testamento pode estabelecer a distribuição dos bens, mas deve respeitar os direitos dos herdeiros necessários. Caso contrário, as disposições que comprometam a legítima podem ser contestadas.
A partilha dos bens é formalizada por meio de um inventário, que pode ser judicial ou extrajudicial, dependendo das circunstâncias.
Para aqueles que, em vida, deseje, definir a destinação de seus bens, o testamento é uma opção a ser analisada conforme o caso prático.
Quem dispõe da totalidade de seus bens para testar?
No direito norte-americano, uma pessoa pode dispor da totalidade de seus bens em testamento. Já no Brasil, apenas pessoas solteiras e sem filhos podem testar 100% de seu patrimônio para testar, uma vez que não possuem herdeiros necessários, como filhos ou cônjuge.
A legislação permite que essa pessoa decida livremente a destinação de seus bens, podendo legá-los a amigos, instituições, ou qualquer outra entidade que desejar.
É importante seguir as formalidades legais para a elaboração do testamento, garantindo sua validade e evitando possíveis contestações.
No caso de união estável, o companheiro tem os mesmos direitos do cônjuge. Caso não tenha sido celebrado contrato de união estável ou instrumento similar, o regime de bens será de comunhão parcial de bens.
Na hipótese de celebração de contrato ou escritura de união estável, as partes podem definir o regime de bens, podendo este ser de separação total de bens, comunhão parcial ou total de bens.
Não havendo formalização por meio de contrato ou escritura, o reconhecimento da união estável pode ser buscado judicialmente.
Tal limite também se aplica à partilha em vida, à arquitetura sucessória e ao testamento?
Sim, tal limite, segundo o entendimento da STJ na decisão comentada, se aplica à partilha em vida, ou seja, à arquitetura sucessória e ao testamento.
Qual o valor de participação societária em pessoa jurídica, para fins de partilha?
É importante destacar que as participações societárias devem ser avaliadas com base no patrimônio da empresa, incluindo seus ativos tangíveis (bens móveis e imóveis) e intangíveis. Isso significa que o valor nominal das quotas registrado no contrato social pode não refletir seu valor real.
Nem sempre o valor do capital social de uma pessoa jurídica corresponde ao seu valor patrimonial. O valor patrimonial é calculado com base em seus bens, por exemplo, imóveis (principalmente ao falarmos de holdings patrimoniais), participações em outras sociedades, obras de arte, veículos, maquinários, estoque, insumos, marca, dentre tantos outros. E, ao se fazer a partilha dos bens, é tal valor que deve ser considerado para efeitos legais.
Para que você entenda, uma pessoa jurídica que tenha o capital social dividido em 1.000 quotas, no valor de R$ 1,00 cada uma, totalizando R$ 1.000,00, cujo patrimônio seja constituído por 2 imóveis e investimentos em ações. O valor a ser considerado leva em conta o valor de mercado dos imóveis e o valor das ações. Se os 2 imóveis possuem valor de mercado de R$ 1.500.000,00 e as ações possuem valor de R$ 250.000,00, o valor da participação societária detida deve considerar tais bens.
Não se pode fazer tal partilha usando o valor de R$ 1,00 por quota, mas sim o valor do patrimônio líquido que seria de, aproximadamente R$ 1.750.000,00, multiplicado pelo percentual da participação societária partilhada. Motivo pelo qual a partilha em vida realizada em 1999 foi declarada nula.
Se uma das herdeiras recebeu R$ 39.000,00 em imóveis e outro herdeiro recebeu quotas cujo valor nominal também era de R$ 39.000,00, na realidade, este último herdou um valor estimado em R$ 711.000,00, considerando o patrimônio líquido da pessoa jurídica, o que caracteriza a doação inoficiosa, anulada pelo STJ.
O planejamento sucessório
Ao se realizar o planejamento sucessório, leva-se em consideração além dos desejos do patriarca/matriarca, o valor do patrimônio, bem como a sua composição, e os herdeiros e sucessores existentes.
O planejamento sucessório permite a estruturação antecipada da sucessão do patriarca ou matriarca da família, podendo, conforme o caso, ter as seguintes finalidades:
· Economia tributária na sucessão patrimonial,
· Preservação patrimonial, por meio de ferramentas que implementam as regras para a administração do patrimônio, após o falecimento do patriarca ou matriarca;
· Harmonia das relações familiares;
· Proteção patrimonial, para as famílias empresárias, garantindo o sustento familiar em meio às crises e à instabilidade político-econômica;
· A profissionalização da administração da empresa familiar; e
· Evitar a demora e custos de ação de abertura de inventário, principalmente quando há hostilidade entre herdeiros.
O planejamento é um investimento a ser feito na preservação do patrimônio, que utiliza como ferramentas não apenas holdings patrimoniais e doações. Há muitos outros recursos cujo uso deve ser avaliado segundo o caso prático e com as prioridades de cada família.
O melhor momento para planejar a sucessão é agora. Trata-se de um investimento estratégico para o futuro!
Consulte os advogados especializados do Azevedo Neto Advogados e entenda a extensão de tais benefícios para sua família e seu patrimônio!
0 Comentários