Briga de Sócios: Quando o desentendimento entre sócios é um “cartão vermelho”
- Em 12/05/2023
Recentemente, ao conversar com um de nossos clientes, notamos que ele possuía muitas dúvidas sobre o que seria o conceito de “briga de sócios”.
Qual seria a distinção entre desentendimentos e brigas que poderiam levar a exclusão de sócio por justa causa? Como seria possível evitar ou reduzir o impacto dos conflitos entre sócios no desenvolvimento dos negócios sociais?
Então, criamos um exemplo fictício, para que ele pudesse visualizar melhor algumas das perspectivas envolvidas.
Por exemplo, uma pessoa jurídica que tem 3 sócios, os quais discordam da melhor forma de condução dos negócios da empresa.
Primeiramente, é importante entender que a discórdia, nem sempre decorre de questionamento da idoneidade do outro sócio, mas pode decorrer de diferentes opiniões sobre a gestão dos negócios.
Ao falarmos de discórdia, poderíamos estar tratando desde o questionamento de idoneidade ou da conduta de sócios, motivada, por exemplo, por desvio de recursos, fatos estes que são bastante graves e prejudicam o desenvolvimento dos negócios. Bem como, poderíamos estar nos referindo a desentendimentos na condução dos negócios, exemplificativamente, quanto à forma de obtenção de recursos (se a melhor estratégia seria a contratação de empréstimo bancário ou a busca de um investidor).
Vamos entender um pouco as opções existentes nessas duas situações:
- Da condução dos negócios sociais: qual a melhor estratégia?
- Da exclusão por justa causa: qual o procedimento?
- Da exclusão por justa causa: o que entende o STJ?
- O Acordo de Sócios: minimizando os danos ao negócio
- A importância do Planejamento Societário
Da condução dos negócios sociais: qual a melhor estratégia?
Ao iniciar uma sociedade, sempre devemos pensar no perfil de cada sócio envolvido, para que cada um possa agregar valor e conhecimento ao negócio a ser desenvolvido e devemos ter em mente que cada indivíduo tem sua própria personalidade e “bagagem” e, certamente, terá perspectivas diferentes sobre os diversos assuntos que surgem no dia a dia dos negócios.
Nesse contexto, ao vivermos em sociedade, sabemos que nem todos concordam sobre todos os temas.
Ao aplicarmos isso a um negócio, sabemos que nem sempre os sócios podem acordar quanto à melhor solução para determinado problema, ou na forma de lidar com diferentes fatos que estão presentes no cotidiano da administração, o que não significa que o sócio não tenha como prioridade o que é melhor para o negócio. São, simplesmente, diferentes perspectivas.
Nesse momento, destacamos a importância do debate, em que cada qual apresenta os fatos e sua fundamentação, que o fazem defender determinada solução, para que todos os sócios, juntos, cheguem a um consenso. O debate saudável pode, inclusive, fazer com que se chegue a uma proposta de solução ainda mais benéfica ao empreendimento!
É um exemplo cotidiano de tais questões negociais a necessidade de aporte de valores na empresa. Será que a melhor solução seria a contratação de empréstimo ou a busca de um investidor?
Na medida em que se alcança um consenso ou não, não há que se falar em conflitos que afetem o chamado “affectio societatits”, uma vez que todos buscam pelo bem do negócio.
O affectio societatis é um elemento essencial para a formação e existência de uma sociedade. Ele implica que os membros da sociedade devem compartilhar uma intenção mútua de se unir e colaborar para atingir um objetivo empresarial específico. Essa intenção vai além de uma simples cooperação ocasional, sendo necessária uma verdadeira vontade de estabelecer uma relação societária duradoura.
O affectio societatis representa a intenção mútua e o propósito compartilhado pelos membros de uma sociedade de cooperar e trabalhar juntos em busca de um objetivo comum.
Uma vez que todos somos humanos, sempre haverá discordância e cabe a nós utilizarmos os meios adequados para chegar a um acordo.
A melhor estratégia a ser acordada quando há discordância: o debate fundamentado em fatos e os instrumentos sobre os quais falaremos a seguir, para criar ferramentas de solução.
Da exclusão por justa causa: qual o procedimento?
O Código Civil contém previsão legal para exclusão por justa causa de sócio:
“Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”
O artigo determina que os atos do sócio do qual se busca a exclusão deve colocar em risco a continuidade dos negócios e decorrer de ato de inquestionável gravidade.
Aplica-se, ainda, o disposto no artigo 1.030 do Código Civil, que determina:
‘Art. 1.030. Ressalvado o disposto no Art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.”
Ou seja, a exclusão por justa causa por ser realizada por meio de alteração de contrato social, mediante aprovação dos sócios representando a maioria do capital social ou propositura de ação judicial, sendo que nos dois casos se deve pagar ao sócio excluído o valor de suas quotas.
Nas duas hipóteses, o desgaste da relação entre os sócios é iminente, sendo que na segunda, deve ser levado em consideração o tempo da demanda, seu custo e os prejuízos ao negócio.
Por outro lado, o sócio excluído também tem direito a questionar judicialmente a sua exclusão ou o valor a ele pago, aumentando, assim, a litigiosidade da demanda.
Da exclusão por justa causa: o que entende o STJ?
A legislação determina que os atos do sócio do qual se busca a exclusão deve colocar em risco a continuidade dos negócios e decorrer de ato de inquestionável gravidade.
Vejamos, a mera discordância, por si só, não coloca em risco a continuidade do empreendimento, tampouco pode ser considerada ato de inegável gravidade.
Esse é o entendimento de decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo e de decisão do Superior Tribunal de Justiça.
No início deste mês de maio, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a mera discordância de um sócio quanto às decisões dos demais sócios não justifica a exclusão de um sócio, por justa causa, nos termos 1085 do Código Civil.
Outro ponto relevante a ser analisado quanto à ação de exclusão por justa causa é que, enquanto esta tramita, o affectio societatis entre os sócios é dizimado pelo embate judicial e os negócios aos quais foram dedicados tempo, esforço e dinheiro são prejudicados (https://azevedoneto.adv.br/harmonia-nas-relacoes-familiares-e-societarias-as-ferramentas-para-estimular-a-confianca-e-desenvolver-o-negocio/).
Você, então, deve estar se questionando, o que seria um fato de inegável gravidade, então?
Seriam fatos que, por si só, prejudicam os negócios da empresa e cuja definição depende do segmento de atuação do empreendimento.
Por exemplo, para uma sociedade de médico, a perda da licença do CRM – Conselho Regional de Medicina – e a condenação criminal transitada em julgada de sócio médico por erro grave divulgado em mídia.
Outro exemplo, a contratação de empréstimo em nome da pessoa jurídica por sócio, para uso pessoal, em valor superior aos ativos e recebíveis e projeção de faturamento do empreendimento sem a intenção ou possibilidade de aportar mensalmente na sociedade o valor das parcelas, sem o conhecimento e concordância dos demais sócios (https://azevedoneto.adv.br/qual-o-limite-da-responsabilidade-do-socio/).
Por outro lado, o conceito de “ato de inegável gravidade” também poderia ser demonstrado por uma série de fatos, não apenas um fato isolado.
A complexidade do conceito e da prova a ser demonstrada judicialmente para caracterizar o “ato de inegável gravidade” é que, conforme o caso, por ser complicada, considerando que nem sempre a intenção (de prejudicar a sociedade e os demais sócios) pode ser demonstrada por atos.
Nesse sentido, a propositura de ação judicial de exclusão por justa causa deve ser refletida com cautela a fim de minimizar os prejuízos ao empreendimento.
O Acordo de Sócios: minimizando os danos ao negócio
Ao se ingressar com uma sociedade, que tenha como sócios membros da sua família, amigos “de longa data”, ou investidores, há muitos cuidados que devem ser observados para se especificar os direitos e obrigações dos sócios, bem como as regras para retirada (saída espontânea) de uma sócio ou sua exclusão (https://azevedoneto.adv.br/ser-ou-nao-ser-socio-eis-a-questao).
Do Contrato ou Estatuto Social
O contrato social (para as sociedades empresária limitadas) e o estatuo social (para as sociedades anônimas) especificam:
- Razão social e sede;
- Tempo de duração;
- Capital social e sua distribuição;
- Regras para a administração da sociedade (quem representa a sociedade e as respectivas regras);
- Os temas que devem ser objeto de aprovação dos sócios;
- As regras de sucessão de sócio em caso de falecimento;
- As regras para retirada e exclusão de sócios.
Quanto à administração social, no contrato ou estatuto social, pode-se determinar as regras do dia a dia dos negócios, ou seja, por exemplo, os limites dos poderes dos representantes legais (por exemplo, quantos administradores ou diretores devem assinar conforme o valor do documento), bem como a denominação que se dará ao corpo administrativo, se serão denominados de diretores ou administradores.
Ao se determinar tais regras, garante-se a transparência na administração, estimulando a confiança ente os sócios.
No tocante aos assuntos que devem ser objeto de aprovação de sócios em Reunião de Sócios ou Assembleia de Acionistas, permite-se que todos tenham conhecimento de decisões a serem tomadas e delas participem ativamente, como na aquisição de ativos de valores representativos ou na contratação de empréstimos para desenvolver determinado projeto.
As regras para a sucessão em caso de falecimento ou impedimento de sócio são importantes, uma vez que nem sempre os sucessores estão preparados para assumir as funções do até então sócio no empreendimento.
Então, se faz possível estabelecer regras para tanto, desde a forma de pagamento da participação na sociedade aos seus sucessores, quando de sua retirada, até os requisitos para que filhos e netos venham a participar da gestão social.
Na retirada de sócios, estabelece-se as regras de pagamento dos valores a ele devido em decorrência de sua participação societária.
Se as regras estão claras desde o início, posteriormente, é muito difícil buscar a sua anulação, ainda que por meio de ação judicial.
Por fim, a exclusão de sócios. Ainda que prevista no Código Civil, é sempre recomendado especificar as circunstâncias em que a sociedade e seus sócios podem requerer a exclusão de sócio, definindo o que os sócios compreendem como ato de inegável gravidade.
Do Acordo de Sócios ou Acionistas
Além do contrato ou estatuto social, determinadas regras podem ser estabelecidas em acordo de sócios ou acionistas, documento que não é registrado junto aos órgãos públicos.
O acordo traz as regras em caso de, por exemplo:
- aportes de capital;
- o direcionamento de voto em reuniões de sócio ou assembleias gerais,
- a indicação e eleição de membros da diretoria e do conselho de administração, quando aplicável;
- direito de preferência na aquisição de quotas ou ações;
- qual a regra a ser observada quando do ingresso de investidores e venda da sociedade;
- as condições nas quais pode haver a alienação e aquisição de ativos, como imóveis ou outros que tenham relevância para a sociedade, seja financeiramente, seja por sua relação com o objeto social; e
- em caso de sucessão dos sócios, quando herdeiros e sucessores poderão ser sócios e/ou participar da administração da sociedade.
Em conjunto com o contrato ou estatuto social, é um documento essencial para a especificação de direitos e obrigações das partes.
Quando falamos na retirada ou exclusão de sócios, um assunto que sempre causa polêmica é o valor a ser pago ao sócio retirante ou excluído.
Essa discussão pode ser evitada quando o contrato ou estatuto social estabelece se a apuração do valor se dará por valor contábil, considerando ativos (tangíveis e intangíveis) e passivos ou, até o valor apurado em avaliação financeira para realização de fusão e aquisição, trazendo detalhes para a realização do cálculo, bem como a forma de pagamento do valor resultante.
Podem, ainda ser previstos a solução do conflito por câmara de mediação, bem como mecanismos de conciliação entre os sócios, para se evitar a demora do Poder Judiciário.
A importância do Planejamento Societário
Inequívoco que o planejamento societário é uma ferramenta a seu alcance para evitar que desentendimentos venham a destruir o seu empreendimento e de seus sócios.
Desde definição de formas de conciliação às regras de administração da gestão dos negócios, a elaboração e celebração dos instrumentos societários customizados à sua necessidade são uma ferramenta eficaz para evitar conflitos e preservar o seu negócio.
Consulte os advogados especializados do Azevedo Neto Advogados e entenda como tais ferramentas podem agregar valor e consolidar o seu negócio.
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