Quando a desconsideração de personalidade jurídica é um risco?
- Em 16/10/2019
A Lei nº 13.874/19 (”Lei da Liberdade Econômica”) trouxe diversas mudanças no aspecto societário, sendo uma delas foi sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
No direito existem duas importantes classificações de pessoas. A pessoa física e a pessoa jurídica.
Quando do início de um empreendimento comercial, é constituída pessoa jurídica a ser definida de acordo com o empreendimento e a necessidade dos sócios. Tal pessoa jurídica tem patrimônio independente de seus sócios, sendo que há, conforme o caso, limitação às responsabilidades destes, inclusive sobre os aspectos financeiros.
Assim, nos termos do Código Civil, quando uma empresa possui dívidas, seus sócios respondem até o valor do capital social por eles integralizado, em regra geral. Apenas em caráter excepcional, se é possível a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, quebrar a barreira que existe entre o patrimônio da empresa e atingir diretamente o patrimônio dos sócios.
Segundo o art. 50 do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica só pode ocorrer quando demonstrado que houve desvio de finalidade da sociedade, confusão patrimonial entre os bens que pertencem aos sócios e aos da sociedade ou, ainda, o abuso da personalidade jurídica. Devendo, tal desconsideração ser ordenada pelo juiz, por meio de ação incidental, o que significa dizer que em ação dependente da principal, na qual as partes tem direito a ampla defesa e ao devido processo legal, o juiz avalia, com base em provas, se houve efetivo desvio de finalidade, confusão patrimonial ou abuso da personalidade jurídica.
Contudo, o que se vê hoje é que, na Justiça Trabalhista, apoiando-se no Código de Defesa do Consumidor – prova objetiva e hipossuficiência da parte – a desconsideração se tornou ”trivial”, fazendo com que as disposições do Código Civil acerca da independência do patrimônio da pessoa jurídica, fiquem em segundo plano ou simplesmente não sejam levadas em consideração.
A Lei nº 13.874/19 firmou uma barreira mais concreta entre o patrimônio dos sócios em relação ao da empresa através dos artigos 49 A e 50.
O artigo 49 reforça o conceito de que o patrimônio dos sócios e da empresa não podem ser confundidos, sendo independentes.
Antes da Lei nº 13.874/19 o Código Civil, em seu artigo 50, já disciplinava que a desconsideração da personalidade jurídica poderia ocorrer diante do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Contudo, ao enfatizar a necessidade de que haja provas de tais fatos, passa a existir significativa mudança:
“Desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.”
A mudança que traz este artigo é reflexo do entendimento jurisprudencial, ao entender que não basta se alegar o desvio de finalidade, mas deve-se demonstrá-lo.
Consoante a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, desvio de finalidade, abuso de personalidade jurídica e confusão patrimonial devem ser comprovados, uma vez que a regra é a independência dos patrimônios e a desconsideração é uma exceção que não pode ser concedida arbitraria ou levianamente ou fatos comprovados de forma duvidosa.
Um exemplo comum é a alegação de que o simples encerramento das atividades, sem o devido registro de ato societário perante o órgão competente, seria suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. O entendimento jurisprudencial majoritário é de que o encerramento irregular, por si só, não basta para a declaração da desconsideração da personalidade jurídica. Se faz necessário demonstrar desvio de finalidade, confusão patrimonial ou abuso da personalidade jurídica, simultaneamente.
Isso afeta a o credor, tendo em vista que agora este deverá produzir provas vigorosas para comprovar a intenção dos sócios e poder atingir os seus bens pessoais, para reaver o prejuízo.
A mudança legislativa, consolida o entendimento jurisprudencial ao enfatizar, na prática, o motivo pelo qual foi criada a pessoa jurídica e os diversos tipos de sociedades, fazendo com que a legislação societária, no que se refere à responsabilidade dos sócios, seja aplicada mais rigorosamente, estabelecendo-se limites à sua responsabilidade como regra e a desconsideração como exceção a ela.
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