O Direito no Cinema: Existem Trusts Funds no Brasil?
- Em 24/03/2023
Hoje, vamos falar sobre uma dúvida comum entre nossos clientes e amigos.
Os filmes e notícias podem causar muita confusão quando falamos em direito.
A primeira dela e bastante comum é causada pelas cenas de grandes tribunais que vemos ao assistir a um filme, nas quais os advogados defendem os interesses nos casos de seus clientes. Talvez uma das maiores frustrações do estudante de direito seja descobrir, logo nos primeiros anos da faculdade de direito, que a realidade brasileira não é assim.
E quando falamos nos filmes ingleses, em que os advogados vestem as perucas brancas? Isso não acontece nos tribunais brasileiros…
Cada país tem a sua legislação que determina as regras que se aplicam dentro de seu território e devem ser observadas por todos aqueles que lá estiverem e pelos outros países, o que é chamado de soberania de cada nação.
Tais leis determinam os procedimentos legais a serem observados em julgamentos cíveis e criminais, quando da celebração de contratos, do pagamento de impostos, da elaboração de um testamento ou da sucessão.
Um exemplo simples, nos Estados Unidos, uma pessoa dispõe da totalidade seu patrimônio, podendo destiná-lo como entender melhor. Contudo, no Brasil, uma pessoa dispõe de tão somente 50% de seu patrimônio para destinar como compreender mais adequado, sendo que 50%, obrigatoriamente, devem ser divididos entre os herdeiros obrigatórios (esposa ou companheira, pais, filhos ou irmãos, conforme o caso prático).
Hoje, vamos falar sobre o trust…. o termo é comumente ouvido em filmes norte-americanos ao se falar em pais ou avós cujo patrimônio encontra-se em trusts:
- O mito do trust;
- O trust no direito brasileiro;
- A tributação do trust no Brasil;
- O trust como ferramenta da arquitetura sucessória.
O mito do trust
O termo é comumente ouvido em filmes norte-americanos ao se falar em pais ou avós cujo patrimônio encontra-se em trusts, sendo que os herdeiros e sucessores recebem de tempos em tempos os rendimentos e somente sobre determinadas condições, como idade ou casamento, tem acesso ao valor total do trust, o qual é administrado por uma pessoa de confiança de quem o instituiu.
O motivo do trust: as vantagens fiscais em uma país em que os impostos decorrentes da sucessão podem variar de 18% a 40%… ou seja a instituição de um trust decorre de realização de arquitetura sucessória!
Segundo o direito norte-americano, um trust é uma forma de estrutura legal que envolve a criação de uma entidade separada e independente, geralmente uma empresa, para controlar e gerenciar os ativos de um grupo de pessoas ou empresas.
O trust é geralmente estabelecido por um doador que transfere propriedades, ativos financeiros ou outros bens para a entidade. Os beneficiários do trust recebem os benefícios do trust, como renda ou lucro, de acordo com as disposições estabelecidas pelo doador.
O objetivo principal de um trust é proteger e gerenciar os ativos de um grupo de pessoas ou empresas, e é muitas vezes usado para fins de planejamento sucessório, caridade ou beneficência, ou para gerir e proteger ativos de investimentos de longo prazo.
Os trusts são frequentemente usados para evitar a tributação excessiva ou para proteger os ativos de litígios, falência ou outros riscos.
Aqueles que acompanham os nossos artigos começam a notar que o trust, nos Estados Unidos, são uma importante ferramenta no planejamento sucessório e deve estar se questionando: existe o instituto do trust no Brasil?
O trust no direito brasileiro
A figura do trust, com tal denominação, não existe no direito brasileiro.
No Brasil, possuímos instituto similares ao trust. Contudo, o trust, conforme o conceito norte-americano, não é previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
Porém, há estruturas similares, como os chamados “fundos de investimento em direitos creditórios” (FIDCs) e “fundos de investimento em participações” (FIPs). Essas estruturas são regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e são usadas para diversos fins, como planejamento sucessório, investimentos em projetos imobiliários e de infraestrutura, e gerenciamento de patrimônio.
Tais estruturas possuem alto custo de criação, devendo ser registradas perante a CVM, a qual tem normas rígidas para gestão e administração, que deve ser realizada por profissionais habilitados para tanto, o que as tornam inadequadas para muitos planejamento sucessórios ou tributários.
Ainda, há o fideicomisso, previsto no Código Civil brasileiro.
No fideicomisso, uma pessoa determina, em testamento ou contrato, a destinação de um bem imóvel para o sucessor do seu herdeiro. O herdeiro ou legatário que recebe em primeiro grau o imóvel denomina-se fiduciário, ficando ele com o encargo de transmitir a propriedade para aquele que ser o proprietário final do bem, designado fideicomissário, momento no qual é devido o pagamento do ITCMD.
Essa figura jurídica é regulamentada pelo Código Civil brasileiro, que estabelece que o fideicomisso pode ser constituído por testamento ou por contrato, desde que sejam respeitados alguns requisitos, como a determinação do objeto do fideicomisso, a indicação do fiduciário e do beneficiário, e a fixação do prazo para a administração do bem pelo fiduciário.
É certo dizer que há semelhanças, mas que não são exatamente o mesmo conceito.
Para aqueles que possuem patrimônio no exterior, é possível constituir trust no exterior, verificando-se os requisitos do país de sua constituição.
O Projeto de Lei nº 4768/2020 busca a regulamentação do trust no Brasil, ao introduzir em nosso ordenamento jurídico o “Regime Geral de Fidúcia”, prevendo segregação do patrimônio das partes do contrato por meio da criação do patrimônio de afetação, fundamental para a segurança jurídica do contrato de fidúcia por diferenciar o patrimônio do instituidor do patrimônio do administrador
Segundo o projeto de lei, o “negócio jurídico pelo qual uma das partes, denominada fiduciante, transmite, sob regime fiduciário, bens ou direitos, presentes ou futuros, a outra, denominada fiduciário, para que este os administre em proveito de um terceiro, denominado beneficiário, ou do próprio fiduciante, e os transmita a estes ou a terceiros, de acordo com o estipulado no respectivo ato constitutivo”.
Para a proteção patrimonial um inequívoco benefício, os bens transmitidos em fidúcia constituem patrimônio autônomo, não respondendo por dívidas do fiduciário, mas somente por dívidas vinculadas à propriedade fiduciária, exceto em caso de fraude.
Além disso, o fiduciário não pode utilizar os bens recebidos fiduciariamente em seu proveito, devendo respeitar as normas do contrato e as regras estabelecidas pelo fiduciante, como no trust.
Resta saber se o projeto de lei será aprovado.
A tributação do trust no Brasil
O Projeto de Lei nº 145/2022, por sua vez, trata acerca dos aspectos tributários do trust,
Por um lado, falar em tributação do trust pode ser bastante complicado, considerando que este pode ser composto por bens móveis e imóveis, ou seja, participações societárias, casas, investimentos financeiros, e cada qual possui, de acordo com a norma brasileira, competência tributária por ente diferente…. União Federal, Estado ou Município.
Porém, sob a perspectiva de seus efeitos patrimoniais, O texto delimita como fato gerador do ITCMD o momento em que o beneficiário em potencial vira um beneficiário efetivo, que seria o momento da doação.
Na formação do patrimônio do trust, não haveria a incidência do ITCMD.
Novamente, resta saber se o projeto de lei será aprovado.
O trust como ferramenta da arquitetura sucessória
É indiscutível, o trust, se existisse no Brasil, seria uma importante ferramenta para o planejamento sucessório, proteção patrimonial e planejamento tributário.
Contudo, hoje, o instituto não foi abraçado pela legislação brasileira, o que se espera que aconteça com a aprovação dos projetos de leis que tratam de sua constituição e funcionamento e de sua tributação.
Enquanto isso, as vantagens da arquitetura sucessória permanecem ao permitir a estruturação antecipada da sucessão do patriarca ou matriarca da família, podendo, conforme o caso, ter as seguintes finalidades:
- Economia tributária na sucessão patrimonial,
- Preservação patrimonial, por meio de ferramentas que implementam as regras para a administração do patrimônio, após o falecimento do patriarca ou matriarca;
- Harmonia das relações familiares;
- Proteção patrimonial, para as famílias empresárias, garantindo o sustento familiar em meios às crises e à instabilidade político-econômica;
- A profissionalização da administração da empresa familiar; e
- Evitar a demora e custos de ação de abertura de inventário, principalmente quando há hostilidade entre herdeiros.
O planejamento é um investimento a ser feito na preservação do patrimônio, que utiliza como ferramentas não apenas holdings patrimoniais e doações e, quem sabe futuramente trusts. Há muitos outros recursos cujo uso deve ser avaliado de acordo com o caso prático e com as prioridades de cada família (https://azevedoneto.adv.br/guia-pratico-sobre-os-beneficios-do-planejamento-patrimonial-e-sucessorio/).
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