Lojas Americanas: verdade ou consequência?
- Em 12/07/2024
Em dezembro de 2023, um dos maiores escândalos do mercado brasileiro assolou as mídias, o caso das Lojas Americanas, no qual foi verificado um endividamento, em valor aproximado de R$ 40 bilhões, que não constavam no balanço financeiro, em razão de manobras contábeis-financeiras.
Na última semana, a polêmica das Lojas Americanas retornou à mídia, após a conclusão, por comitê independente, designado para apurar as circunstâncias da fraude contábil, após 18 meses de trabalho, no qual foram revisados e analisados 1,2 milhões de documentos, 250 entrevistas com empregados, ex-empregados e terceiros, e foram processados 74 terabytes de dados.
Paralelamente, a Polícia Federal comanda a Operação Disclosure, na qual foram emitidos 15 mandados contra ex-diretores, em 27.6.2024.
O resultado da investigação pelo comitê independente indica que a manipulação de balanço e demonstrações financeiras envolvia empregados, ex-empregados, terceiros e diretores.
O Ministério Público Federal e a Polícia Federal verificaram a existência de documentos falsificados, denominados pelos envolvidos como “arrecadação complementar” e, segundo a investigação, teriam começado em 2012, para melhorar os resultados das Lojas Americanas.
Foram falsificados contratos com grandes empresas como Unilever, Colgate, L’Oreal, Mondelez, dentre tantos outros.
A comissão independente apurou diversas manobras fiscais, visando reduzir o endividamento e aumentar as vendas das Lojas Americanas.
Hoje, vamos entender sobre o histórico do escândalo e suas consequências legais:
- Loja Americanas: uma breve notícia;
- O Início da Polêmica;
- O comitê independente e a “Operação Disclosure” da Polícia Federal;
- Criador e criatura: as consequências do “excesso” de criatividade:
- Os Direitos de Acionistas Lesados
- Quais os deveres dos administradores?
- E os direitos dos credores?
Lojas Americanas: uma breve história
A Lojas Americanas foi fundada em 1929, em Niterói, Rio de Janeiro, por Max Landesmann, John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger.
Desde 1940, a Lojas Americanas tem ações negociadas na Bolsa de Valores.
Em 2015, era a quarta maior empresa varejista do país e chegou a ter 3.800 estabelecimentos físicos no Brasil.
A Lojas Americanas possui 3 plataformas de e-commerce: americanas.com, Shoptime e Submarino
Os ativos das Lojas Americanas incluem a rede de supermercados Natural da Terra, as marcas Imaginarium e Puket, dentre outras.
Desde o início do escândalo, as ações das Lojas Americanas “desabaram”, ou seja, tiveram uma queda imensa de seu valor, mas o que causou essa desvalorização?
O Início da Polêmica
O escândalo começou quando revisitou que o endividamento das Lojas Americanas, o qual, nos balanços e demonstrações financeiras, constava como sendo de R$20 bilhões, na realidade seria de R$40 bilhões.
O motivo de tal divergência de números, o uso de prática contábil denominada de forfait ou “risco sacado” a qual, na prática, “mascarava” o real endividamento das Lojas Americanas.
A modalidade de antecipação, conhecida como risco sacado, é quando o fornecedor, no caso a Lojas Americanas, recebe antes o pagamento de seus produtos ou serviços vendidos. Essa antecipação pode ser feita pela empresa contratante ou por instituições financeiras em geral, como bancos.
Se o prazo de pagamento de uma negociação foi acordado em 30 ou 90 dias, o fornecedor pode pedir o risco sacado. Ou seja, a antecipação de seu pagamento mediante uma taxa de juros mais barata, que não impacte o negócio.
Os valores devidos a fornecedores eram lançados contabilmente como “risco sacado”, ocultando o verdadeiro passivo da Lojas Americanas.
Você deve estar se questionando qual a importância do índice de endividamento de uma empresa, a qual está diretamente relacionado à obtenção de empréstimos junto às instituições financeiras, concessão de limites de crédito junto a bancos e fornecedores e ao nível de atração de investidores, principalmente ao ter ações negociadas em Bolsa de Valores e debêntures.
Para muitos, é difícil compreender como, apesar de tal “manobra”, os balanços e demonstrações financeiras das Lojas Americanas foram aprovados por auditoria, no caso a PricewaterhouseCoopers, uma das quatro maiores e mais renomadas empresas de auditoria do mundo.
Outro fato que chama a atenção das pessoas, como a dívida de R$20 bilhões, após as notícias dos problemas contábeis, aumentou para R$40 bilhões?
Geralmente, os contratos de empréstimos, debêntures e outros similares contém cláusulas que especificam que, em determinadas situações, sendo uma delas a declaração de informações falsas, implicam no vencimento antecipado da dívida, ou seja, diante da “manobra” contábil houve o vencimento antecipado da dívida junto aos credores.
Uma vez que identificamos os fatos, são despertadas uma série de perguntas: é possível pedir a recuperação judicial, quais os direitos de credores e acionistas, que medidas podem ser adotadas pelos credores para receberem os valores a que tem direito, e as responsabilidades dos administradores por tais dívidas e pela “manobra”?
O comitê independente e a “Operação Disclosure” da Polícia Federal
Duas apurações foram conduzidas independentemente, o comitê independente criado pelo Conselho de Administração das Lojas Americanas, e a “Operação Disclosure” da Polícia Federal.
No final de junho, o comitê independente concluiu seu trabalho, e agora está elaborando um relatório final apontando suas conclusões.
Segundo informações divulgadas na mídia nacional, foi verificado o envolvimento de diretores e outros funcionários no esquema de “manobras” contábeis, para aumentar o lucro das Lojas Americanas.
A Polícia Federal, por sua vez, recuperou diversos documentos, dentre eles, emails e mensagens de WhatsApp que indicavam os participantes do esquema, no “processo” para se “incrementar artificialmente” os números, para que estes estivessem mais próximos às expectativas de mercado.
Há documentos que apontam que, enquanto o demonstrativo divulgado aos sócios e acionistas indicava resultado positivo de R$129,4 milhões, o verdadeiro balanço apontava um prejuízo de R$209 milhões.
Criador e criatura: as consequências do “excesso” de criatividade
Para você compreender um pouco das consequências financeiras do caso das Lojas Americanas para os seus acionistas, em 8.3.2023, as ações das Lojas Americanas foram negociadas na BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo, pelo valor médio de R$1,10. Em 20.1.2023, no auge do escândalo, foi negociada pelo valor médio de R$0,71.
Porém, em 1º.11.2022, o valor médio da ação era de R$15,90. A queda do valor das ações é incontestável e muitos acionistas sofreram prejuízos representativos.
Imagine que em 1º.11.2022, uma pessoa tivesse adquirido na BOVESPA ações das Lojas Americanas, investindo R$ 15.900,00, em 8.3.2023 essa pessoa venderia suas ações por R$ 1.100,00, uma perda de R$ 14.800,00, para muito, as economias de toda uma vida!
Quanto maior a quantidade de ações na qual a pessoa investiu, maior a perda sofrida!
Os Direitos de Acionistas Lesados
A transparência e a prestação de contas são elementos essenciais para se garantir que os investidores decidam de forma consciente sobre os valores mobiliários, como ações, que adquiram.
O mercado de ações é caracterizado pelo risco assumido pelos investidores ao “apostar” em determinadas empresas, transparência e o dever das empresas em prestar informações são essenciais, para que se determine no que se investirá.
É direito dos acionistas ter acesso a tais informações e serem informados acerca de transações relevantes da empresa, a qual deve publicar em jornal de grande circulação determinados documentos, bem como, informar à CVM e disponibilização em página de seu website, específica para relação com investidores tais informações.
Por outro lado, é dever da empresa sempre informar dados verídicos e claros, o que aparenta não ter acontecido no caso das Lojas Americanas.
Assim, acionistas, após provada a “fraude” pela rede Lojas Americanas, têm direito a serem ressarcidos por serem enganados quanto ao endividamento do negócio.
Em 2018, a Petrobras foi condenada nos Estados Unidos, em ressarcir US$ 1,78 bilhões a investidores por manipular a contabilidade para ocultar um esquema fraudulento que lhe permitia pagar subornos. A Petrobras celebrou acordo extrajudicial para encerrar a questão e compensar os investidores.
Se você estiver se questionando: Então, os administradores e funcionários que tenham conhecimento de tal informação relevante podem, então, aproveitar-se da informação privilegiada e comprar ou vender ações para obter ganhos?
Não, não podem uma vez que a legislação proíbe que administradores e funcionários se aproveitem de tais dados para ganhos pessoais, motivo pelo qual Eike batista é investigado e teve R$ 122 milhões bloqueados pela justiça do Rio de Janeiro, dentre outros casos que envolveram o site Submarino, Perdigão e Disney.
Quais os deveres dos administradores?
As responsabilidades dos administradores, sejam eles membros da diretoria ou de conselho de administração, existente para as sociedades empresárias limitadas e para as sociedades anônimas fechadas (cujas ações não são negociadas em Bolsa de Valores) (https://azevedoneto.adv.br/sou-administrador-quando-devo-informar-os-socios/), são ainda mais rígidas quando falamos em sociedades anônimas abertas.
As regras, procedimentos e deveres são ainda mais rígidos considerando os princípios de Governança Corporativa e os direitos dos acionistas.
Assim, o dever de prestar informações verdadeiras e claras, de que balanço e demonstrações financeiras sejam realizados conforme a legislação aplicável e refletindo a realidade financeira da empresa, deve ser observado pelos administradores.
Além disso, os administradores e acionistas devem agir em benefício da empresa e do desenvolvimento de seu negócio, como esclarecemos ao comentar o caso da Gafisa (https://azevedoneto.adv.br/na-saude-e-na-doenca-as-alegrias-e-tristezas-entre-os-socios-de-uma-empresa/).
Ao não observar tais regras, os administradores são responsáveis pelos danos causados.
Seu afastamento da gestão social deve ser observado ao disposto em Contrato/Estatuto Social ou Acordo de Sócios/Acionistas, podendo, diante da comprovação dos fatos, ser afastado por via judicial, quando aplicável.
E os direitos dos credores?
Outro aspecto polêmico é: e quanto ao direito de receber dos credores?
Desde a descoberta da “fraude”, a avaliação da Loja Americanas para crédito desabou, tornando quase impossível que esta tenha linha de crédito satisfatória junto aos seus credores.
Ainda, poderia haver o vencimento antecipado de dívidas.
Para evitar tal vencimento, a Lojas Americanas obteve judicialmente ordem para afastar, por 30 dias, o vencimento e execução de dívidas, devendo entrar com pedido de recuperação judicial no prazo de até 30 dias.
Tal medida se fez necessária, enquanto os credores buscam judicialmente formas de garantir o recebimento dos valores devidos a eles, como o fez o Banco BTG Pactual.
Em 19.1.2023, a Lojas Americanas protocolou pedido de recuperação judicial, para não ser inundada por execuções judiciais, cobranças e para que juros e multas decorrentes de valores devidos não possam ser cobrados.
Sim, é certo dizer que a recuperação judicial prejudica credores.
Mais de 90% dos credores das Lojas Americanas são bancos e instituições financeiras, que têm recursos para negociar e lutar de forma igualitária com a devedora. Porém, e quanto aos credores que não possuem tais recursos?
Certamente, esses são os maiores prejudicados.
O que devemos aprender?
Administrar uma empresa é uma tarefa árdua, há leis a serem observadas, sob pena de responsabilização de sócios e administradores.
A consultoria jurídica especializada do Azevedo Neto Advogados pode te ajudar na condução dos seus negócios, alertando-o para os riscos de determinadas decisões e, simultaneamente, minimizando riscos e protegendo seu patrimônio pessoal!
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