ITCMD: O confronto fisco x Poder Judiciário
- Em 26/07/2024
No artigo desta semana, vamos nos atualizar sobre o ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, especificamente acerca da doação e cessão e transferência de participação societária em pessoa jurídica.
Atualmente, a constituição de “holding patrimonial” tornou-se uma popular ferramenta de planejamento sucessório, mas qual é o seu papel no planejamento? Como funciona a doação, cessão e transferência de quotas neste contexto?
A crescente realização da arquitetura sucessória, pelas famílias que buscam a economia fiscal, intensificada pela reforma tributária, chamou a atenção do fisco estadual, o qual a cada dia intensifica para aumentar a sua arrecadação, ao impor sua interpretação da legislação fiscal aplicável.
Tal interpretação nem sempre encontra respaldo na jurisprudência. Um exemplo disso é a aplicação do valor venal de referência como base de cálculo para o ITCMD incidente sobre bens imóveis, tema sobre o qual já conversamos em alguns de nossos artigos.
Vamos entender um pouco sobre um aspecto específico da arquitetura sucessória:
- O impacto do ITCMD na sucessão;
- O planejamento sucessório e a preservação patrimonial:
- Economia Fiscal; e
- Harmonia Familiar.
- O papel da “holding patrimonial” na arquitetura sucessória
- Da doação ou cessão e transferência de quotas;
- A interpretação do fisco x o entendimento do poder judiciário;
- Como investir na arquitetura sucessória e garantir a sua rentabilidade.
O impacto do ITCMD na sucessão
Para que você entenda melhor o impacto do ITCMD sobre o patrimônio deixado, bem como os custos de um inventário judicial e extrajudicial, vamos trazer um exemplo (https://azevedoneto.adv.br/cuidado-para-nao-pagar-itcmd-a-mais-em-um-inventario-como-calcular-o-itcmd/).
Uma família com patrimônio de R$ 5 milhões, considerando inventário realizado em São Paulo/SP, ao realizar a sucessão judicial, terá o seguinte custo, aproximado:
Referência | Custo | Valor |
ITCMD – Imposto sobre transmissão de Bens Causa Mortis e Doação | Aplicada alíquota de 4% sobre o benefício econômico. | R$ 200.000,00 |
Custas judiciais | 1000 UFESPs | R$ 35.360,00 |
Custas Cartório – Inventário extrajudicial | Conforme tabela 2021 do Colégio Notarial do Brasil | R$ 12.424,58 |
Honorários Advocatícios – Inventário Judicial | Conforme tabela da OAB/SP de 2021, a qual determina o valor de honorários mínimos | R$ 500.000,00 |
Honorários Advocatícios – Inventário Extrajudicial | Conforme tabela da OAB/SP de 2021, a qual determina o valor de honorários mínimos | R$ 300.000,00 |
Total Inventário Extrajudicial | R$ 512.424,58 | |
Total Inventário Judicial | R$ 735.360,00 |
Ainda, quando falamos de bens imóveis, há despesas com o cartório de registro de imóveis para averbação de transferência de propriedade que, para um imóvel de valor venal de R$ 2.000.000,00 é de R$ 5.223,19.
Ou seja, em caso de inventário judicial, as despesas para sua realização seriam de aproximadamente 15% do valor dos bens e, em caso de inventário extrajudicial, de 10% sobre o valor do patrimônio. E quanto maior o patrimônio, maior o custo envolvido na realização de inventário.
Destacamos que, em razão da Reforma Tributária, o ITCMD terá um peso ainda maior no bolso do contribuinte (https://azevedoneto.adv.br/seu-patrimonio-x-reforma-tributaria-havera-aumento-do-itcmd/).
Hoje, a alíquota do ITCMD é de até 8% (oito por cento), podendo ou não ser progressiva, a depender da Unidade Federativa.
Em estados como o Rio de Janeiro, o ITCMD é calculado de forma progressiva, com alíquotas de 0% até 8%. Por sua vez, no Estado de São Paulo, a alíquota é fixa em 4% (quatro por cento).
Para as sucessões que devem ser abertas em São Paulo, a progressividade pode significar o aumento do ITCMD a ser pago.
Hoje, tramita perante o Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, segundo o qual, se for aprovado com a atual redação, o ITCMD passará a ser calculado, obrigatoriamente, por alíquota progressiva.
Fatos geradores não tributados anteriormente, como trusts no exterior, passarão a ser tributados.
Também se propõem alterações na base de cálculo do ITCMD, ao:
- afastar o valor venal, na hipótese de transmissão de bens imóveis (será considerado o valor de transação ou o valor de mercado); e
- participações societárias devem ter o imposto calculado sobre, no mínimo, o seu patrimônio líquido ajustado, considerando a avaliação de ativos e passivos a valor de mercado e o montante do fundo de negócio.
O projeto de lei em questão se encontra em discussão, ainda, podendo ser alterado, seja a favor ou contra os interesses do contribuinte.
O planejamento sucessório e a preservação patrimonial
O planejamento sucessório pode ser definido com um conjunto de medidas empreendidas para organizar a sucessão hereditária de bens e direitos previamente ao falecimento do titular de bens, podendo focar na transferência eficaz do patrimônio e da gestão dos negócios, economia tributária na sucessão ou proteção patrimonial, conforme o perfil de negócios de cada família (https://azevedoneto.adv.br/mitos-e-verdades-sobre-o-planejamento-sucessorio/).
Podemos dizer que, na prática, o planejamento sucessório é a combinação do planejamento societário e tributário com foco na sucessão hereditária (https://azevedoneto.adv.br/o-que-e-o-planejamento-sucessorio-e-quais-os-seus-beneficios/).
É investir para que parte de seu legado familiar não seja perdido em meio aos impostos e custos envolvidos no processo de sucessão, seja ela judicial ou extrajudicial (https://azevedoneto.adv.br/qual-a-rentabilidade-de-se-investir-no-planejamento-sucessorio/).
Na arquitetura sucessória, há a possibilidade de criar dispositivos para perpetuar o patrimônio, manter a harmonia entre herdeiros, sendo uma excelente oportunidade para se profissionalizar a gestão dos negócios (https://azevedoneto.adv.br/planejamento-sucessorio-quem-deve-fazer-por-que-e-quando-fazer/).
A profissionalização aumenta a produtividade dos negócios, a atividade mercantil é potencializada, evitando-se gastos desnecessários e a ociosidade dos meios de produção.
No caso de bens imóveis, a gestão por especialistas traz maior rentabilidade aos negócios, com menor risco.
Ainda, quando falamos em administração patrimonial, muitos patriarcas e matriarcas se preocupam na influência sobre a harmonia dos relacionamentos familiares na administração.
Por meio da arquitetura sucessória, conflitos que poderiam impactar no desenvolvimento dos negócios e na convivência dos herdeiros que, eventualmente, se sintam prejudicados pela administração podem ser evitados.
Um exemplo de tal conflito são os casos dos, até recentemente, da Pernambucanas. A Pernambucanas, depois de um longo período de ascensão, viu seus negócios prejudicados pelos conflitos.
O planejamento sucessório possui ferramentas que permitem estabelecer regras claras que devem ser observadas pelos administradores, prevendo instrumentos para a solução de conflitos.
Pode-se, desde cedo, determinar diretrizes e parâmetros objetivos para a administração da sociedade e garantir a continuidade das boas relações familiares e a preservação do patrimônio construído.
Muitas ferramentas podem ser utilizadas no planejamento sucessório, como testamentos, doações, trusts, holding patrimonial, acordo de sócios, dentre outros.
O que determinará seu uso? O caso prático!
Economia Fiscal
O planejamento sucessório pode resultar em significativa economia tributária ao otimizar como bens e patrimônio são transferidos para os herdeiros ou beneficiários. Essa economia ocorre principalmente pela redução da carga tributária associada à transferência de bens e direitos, tanto em vida quanto após o falecimento. Vamos explorar algumas das formas comuns pelas quais o planejamento sucessório pode gerar economia tributária.
O ITCMD é um exemplo significativo de tal economia.
Harmonia Familiar
Ao realizar um planejamento sucessório, deseja-se muito mais do que a preservação do legado familiar, anseia-se pela harmonia da família, sua união.
União esta que instrumentos como acordo de sócios e protocolo familiar propiciam ao tornar a gestão do negócio transparente e as regras claras para todos (https://azevedoneto.adv.br/guia-pratico-sobre-os-beneficios-do-planejamento-patrimonial-e-sucessorio/)!
No acordo de sócios são especificados os seus direitos e obrigações, definindo-se questões de seus interesses.
Trata-se de documento complementar ao Contrato ou Estatuto Social.
Nele poderão ser definidas, questões relativas ao direito de preferência aos demais sócios, caso algum deles tenha interesse em vender sua participação, por exemplo.
O Acordo também comporta previsões relacionadas aos métodos de avaliação do valor de mercado da empresa, exclusividade de atuação dos sócios em relação à empresa, confidencialidade, valor de pró-labore e forma de distribuição de dividendos, procedimentos em caso de falecimento de sócios, etc.
O acordo traz cláusulas que determinam os procedimentos a serem adotados em diversas hipóteses e, consequentemente, prevenindo conflitos indesejáveis entre os sócios, em momentos delicados como o falecimento de um deles.
O protocolo familiar é uma espécie de contrato celebrado entre os membros da família, o qual estabelece, de forma detalhada, a conduta, os direitos e obrigações dos membros da família, seja na gestão do patrimônio, seja quanto aos valores morais que se deseja perpetuar.
O protocolo familiar não se limita à conduta dos membros da família em relação ao legado familiar, mas se estende também ao comportamento entre os membros da família em si.
Ele cria as condições necessárias para reforçar a coesão entre os sócios da empresa e preservar e transmitir o legado da família, incluindo os dispositivos para a administração de conflitos.
No protocolo familiar pode-se abordar questões como, por exemplo, os requisitos objetivos para que um membro da família trabalhe na empresa e sua remuneração, regime de casamento a ser adotado, além de questões pertinentes à administração da empresa, como distribuição de lucros.
Além disso, o protocolo familiar pode trazer, em si, narrativa da história da família e suas tradições, para ilustrar os valores e princípios que se busca observar.
Como é elaborado o protocolo familiar? A partir de reuniões com os patriarcas/matriarcas e com seus membros. Não há uma regra geral, mas sim as necessidades e particularidades de cada família para a preservação do legado.
O papel da “holding patrimonial” na arquitetura sucessória
A holding patrimonial é a pessoa jurídica constituída para administrar os bens familiares, desde imóveis até participações societárias, cujo objeto social deverá ser a “administração de bens próprios”.
A pessoa jurídica poderá ser constituída sob a forma de sociedade empresária limitada ou sociedade anônima, conforme a análise de cada caso.
O contrato social e o acordo de sócios especificam as regras para a administração dos bens.
A princípio, parece simples. Porém, há muitos aspectos relevantes que determinam se a holding patrimonial é adequada para o seu caso, desde os negócios desenvolvidos por cada parte, até os ativos que farão parte da composição do patrimônio da holding patrimonial.
Da doação ou cessão e transferência de quotas
Quando falamos na constituição de holding patrimonial ou da família que possuem participações societárias, muitas vezes a cessão e transferência de quotas a herdeiros pode ser parte da arquitetura sucessória.
Na hipótese de cessão e transferência, pode haver a incidência de imposto sobre ganho de capital em caso de lucro na operação ou não, conforme o caso prático. E, no caso de doação, do ITCMD.
A transação a ser realizada e/ou seu valor serão avaliados segundo o caso prático.
Por vezes, quotas são transferidas ao valor de face (aquele constante em contrato social), não levando em consideração o valor patrimonial da pessoa jurídica, conforme a legislação aplicável. Contudo, este não é o entendimento do fisco, ao menos no Estado de São Paulo.
A interpretação do fisco x o entendimento do poder judiciário
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entende que ao transferir quotas por valor inferior ao do patrimônio líquido da pessoa jurídica é caracterizada doação, transação sobre a qual deveria incidir o ITCMD.
Diante de tal entendimento, a Secretaria da Fazenda, vem autuando contribuintes, ao cruzar os dados da Junta Comercial e da Receita Federal, em decorrência do não recolhimento do ITCMD nestas transações.
Porém, o Poder Judiciário entende que não se caracteriza a doação, uma vez que a transação de cessão e transferência de quotas não é gratuita e as partes têm a prerrogativa de negociar o valor da transação de transferência.
Assim, autos de infração têm sido anulados pelo Poder Judiciário e seu entendimento a favor do contribuinte.
Como investir na arquitetura sucessória e garantir a sua rentabilidade
O planejamento sucessório permite a estruturação antecipada da sucessão do patriarca ou matriarca da família, podendo, conforme o caso, ter as seguintes finalidades:
- Economia tributária na sucessão patrimonial,
- Preservação patrimonial, por meio de ferramentas que implementam as regras para a administração do patrimônio, após o falecimento do patriarca ou matriarca;
- Harmonia das relações familiares;
- Proteção patrimonial, para as famílias empresárias, garantindo o sustento familiar em meios às crises e à instabilidade político-econômica;
- A profissionalização da administração da empresa familiar; e
- Evitar a demora e custos de ação de abertura de inventário, principalmente quando há hostilidade entre herdeiros.
O planejamento é um investimento a ser feito na preservação do patrimônio, que utiliza como ferramentas não apenas holdings patrimoniais e doações. Há muitos outros recursos cujo uso deve ser avaliado conforme o caso prático e com as prioridades de cada família (https://azevedoneto.adv.br/guia-pratico-sobre-os-beneficios-do-planejamento-patrimonial-e-sucessorio/).
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